Já faz algum tempo que percebi que a educação virou objeto de consumo, um produto a venda nas prateleiras das universidades, com direito a propaganda – muita propaganda – e preço pré-estipulado. Parece-me que hoje as pessoas não vão ao campus para adquirir conhecimento ou aprender mais sobre a profissão que escolheram. A academia virou passarela onde desfilam os modelitos da estação. Virou point de encontro da galera antes da balada. Virou shopping center e espaço de socialização, onde a última coisa que se faz é abrir os cadernos.
A imagem que as universidades querem vender – e vendem! – é de um lugar bonito, agradável, com pessoas jovens, sorridentes, felizes e lindas. O ensino não importa muito. É só dar uma olhada descompromissada na publicidade de qualquer faculdade particular. Todas mostram grupos de adolescentes em ambientes externos, ao ar livre, com muitas cores e movimento. Sala de aula? Muito chata e monótona para os consumidores de sensações que almejam freqüentar um ambiente descolado e sedutor.
Quando li a matéria “Aprovação sem dificuldades”, publicada na Zero Hora de hoje, percebi que as coisas continuam tão ruins quanto eu já imaginava. Para testar a facilidade de aprovação em vestibulares de instituições particulares, dois alunos de uma turma de alfabetização (Educação de Jovens e Adultos), se inscreveram em cinco vestibulares de inverno na cidade de Caxias do Sul, a pedido do Jornal Pioneiro. Adivinhem o que aconteceu?
O seu Eloir de Camargo, 39 anos e sua esposa Sueli de Oliveira, 32 anos, foram aprovados em todos os exames. Eles estão em fase de alfabetização e todas as provas que fizeram incluíam o teste de redação. A dona Sueli ficou surpresa: “Como pode ser tão fácil passar? Numa das provas eu não sabia nada sobre o tema da redação. Escrevi qualquer coisa e me dei bem”. Não me surpreendo nem um pouco, dona Sueli. Todo mundo se dá bem, é só pagar o boleto em dia no final do mês. E tem mais: todo mundo continua se dando bem depois, o que é ainda mais assustador. Saem formados, como muitos colegas jornalistas com os quais já estudei, sem saber articular uma frase concisa e com sentido. Isso acontece em todos os cursos. Tem gente demais se dando bem nesse mundo, dona Sueli!
O senhor Mauro Trojan, presidente da mantenedora da FAI (Faculdade dos Imigrantes de Caxias do Sul), uma das instituições na qual o casal fez o vestibular e passou, matou a charada. Segundo ele, o MEC determina que o candidato só não pode tirar zero. Se a pessoa tirou 0,5, por lei, ela tem direito de ser aprovada. Se tiver menos candidatos que vagas a pessoa é classificada. “Não divulgamos a classificação dos candidatos para não discriminar os últimos colocados”, diz ele.
Ah, bom! Agora eu entendi! O vestibular é só fachada, uma formalidade necessária, digamos assim. A dona Sueli e o seu Eloir só não vão poder estudar mesmo devido a uma outra formalidade legal, que exige que eles tenham o diploma do Ensino Médio. Outra coisa muito fácil de resolver, tendo dinheiro. Só fazer um supletivo a distância e ser feliz com o curso que bem escolher. A maior dificuldade deve estar mesmo em optar por um curso e por uma das tantas universidade existentes – como produtos atraentes nas prateleiras no supermercado.
Eu que já ouvi, com estes ouvidos que a terra há de comer, um amigo dizendo que escolheu estudar na Ulbra porque lá é o lugar onde tem mais “guria gata”, fico desesperançosa quanto ao futuro. Enquanto a sala de aula for um espaço apenas para tomar café, navegar na internet pelo laptop, mexer no celular, receber mensagens, ligações e toques ininterruptamente, nada vai mudar. Enquanto os professores continuarem fingindo que ensinam e os alunos fingindo que aprendem, as coisas vão ficar mesmo do jeito que estão.
O que garante, afinal, o diploma do Ensino Médio e o ingresso na faculdade? O direito de pagar por um canudo a longo prazo? A possibilidade de freqüentar e desfilar pelo feliz ambiente acadêmico? Se os alunos chegam à universidade com tamanha fragilidade e continuam sua trajetória acadêmica sem maiores percalços, onde está o erro? Pagamos pela titulação mas não recebemos a formação de fato. Que espécie de advogados, jornalistas, administradores, contadores, publicitários, designers, engenheiros, médicos e economistas estamos formando?
Um bom tema para a redação do próximo vestibular.
Som e fúria
Vivemos num mundo de muitas vozes. Muita informação. Muito barulho por nada. Tempestades em copo d'água. Uma verborragia desenfreada. Parece que precisamos falar e ouvir o tempo todo. Ouvir a última do vizinho. As notícias do dia. Ouvir as sirenes, buzinas, o lamento do vencido, a comemoração do vencedor. A TV ligada por hábito. Ouvir e não calar. Falar sobre si. Sobre os outros. Sobre a última tragédia. Sobre o jogo de futebol. Sobre a previsão do tempo.
Parece até que o silêncio é pecado.
segunda-feira, 4 de agosto de 2008
Assinar:
Postar comentários (Atom)
7 comentários:
Bom, exagerado??de forma alguma!! e posso dizer que faz bem uso de todos os ensinamentos sobre textos e todas aquelas regras que aprendemos no curso de jornalismo e que tu continua melhorando tudo isso.
Realmente eu não sei a direção que o ensino no geral irá tomar, falo isso como uma futura professora de História da educação básica, é aquela da escola e tb futura professora de graduação que pretendo me tornar e tudo isso com qualidade...e as vezes penso que não sei nada..deveria saber muito mais...e estou sempre correndo atraz de tudo isso para ser uma aluna mediana...mas e aqueles!! é aqueles que acham que tudo ta bom..como está...ou que a aula só dura até a hora do intervalo...realmente deveriamos ser egoístas e estarmos nos lixando para esses...mas tb vai saber até que ponto essas criaturas cheguem e quando nos damos por conta estão governando e investindo os nossos tributos de cidadão de bem!
Falei demais e talvez não falei nada...mas a educação se tornou um negocio sim! e eu lamento muito por isso!
Parabéns Pâmela...vejo que apesar de não ter me contentado com o curso de Jornalismo, prezo muito essa profissão e já vejo colegas deste curso ótimos profissionais!
Essa situação gera a falta de mão-de-obra qualificada e reflete na situação do mercado de trabalho atual. Muitas vagas em aberto, porém com poucas pessoas que suprem as características e conhecimentos necessários para estas. Infelizmente :(
Apelo no marketing das universidade? É uma medida que muitas universidades usam pra sobreviver. É um caminho mais barato pra atrair "clientes". Se investe em marketing e não se gasta rios de dinheiro investindo em qualidade robusta. E claro que uma hora esse tiro fura o pé.
E por que essa zona? Porque "alguém" que deveria monitorar de perto a qualidade do ensino, de forma mais rigorosa, não o faz. E as universidades ficam livres pra escolherem suas armas pra sobreviver.
Oi, Pâmela!!!
Adorei sua visita ao meu blog. Tbm te visitarei mais vezes.
Grande beijo
O próprio fato de apenas uma parcela mínima da população ter acesso ao ensino superior já demonstra que é preciso ser bom de negócio.
Lucas
Pâmela,
Você disse tudo o que venho bradando pelos quatro cantos da faculdade que estudo atualmente.
Sou uma pessoa que, insatisfeita com a profissão escolhida, resolveu fazer nova faculdade, e estou tremendamente impressionada com a falta de aplicação das pessoas!
Professores com medo de aluno, mudando o programa para agradar a poucos, tendo em vista não querer reprovar os mais abonados.
Eu estou indignada, tal como vc!
Valeu pelo post!
Beijos mill
Sou a Maria Paula do Boneca de Pano, aproveito para agradecer a visita!
Beijos mill
Postar um comentário