Som e fúria

Vivemos num mundo de muitas vozes. Muita informação. Muito barulho por nada. Tempestades em copo d'água. Uma verborragia desenfreada. Parece que precisamos falar e ouvir o tempo todo. Ouvir a última do vizinho. As notícias do dia. Ouvir as sirenes, buzinas, o lamento do vencido, a comemoração do vencedor. A TV ligada por hábito. Ouvir e não calar. Falar sobre si. Sobre os outros. Sobre a última tragédia. Sobre o jogo de futebol. Sobre a previsão do tempo.

Parece até que o silêncio é pecado.

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Abstinência


No primeiro dia foi duro suportar. Mesmo sabendo que não poderia saciar o meu vício, segui a rotina no piloto automático. Cheguei em casa e foi como se tudo estivesse dentro da ordem e da normalidade. Como se a minha dose diária estivesse ali, esperando como sempre. Daí veio o baque. Não tem. Não dá. Hoje vou ter que ficar sem.

Bem difícil. O organismo já está tão acostumado que não se habitua mais sem.Fiquei perdida. Não sabia ao certo o que fazer, para onde ir.

As coisas só foram piorando com o passar dos dias. Cada vez sentia mais necessidade. Eu realmente precisava daquilo. Os dias iam passando vazios, até que tive que modificar minha rotina baseada na ausência de algo que eu não sabia quando iria voltar. Parecia que eu estava fora do mundo: desatualizada, careta, incomunicável.

Estes dias estão se passando e já somam mais de um mês. E é quase inacreditável que eu sobrevivi e continuo sobrevivendo sem acesso a internet em casa. Eu nunca imaginei que essa abstinência poderia ser positiva. Acreditem, ficar sem internet em casa é cultural.

Nunca escrevi tanto e com tanta qualidade e concentração meus artigos da pesquisa como agora. Sem janelinhas de MSN piscando, sem aquela vontade de dar uma espiadinha no Orkut ou verificar os e-mails a toda hora. É infinitamente mais fácil se concentrar quando você não está on-line.

Consegui, finalmente, ler alguns livros de literatura por prazer, coisa que há tempos prometo a mim mesma que farei, mas acabo sempre achando que não sobra tempo. Aliás, recomendo: O centauro no jardim, do Moacyr Scliar.

As relações sociais com a família se intensificaram. Meu irmão - que também ficou órfão do seu vício - e eu fazemos diariamente um momento bate-papo. Passo mais tempo com a minha mãe e conversamos e nos aproximamos mais nos últimos dias.

É claro que todas essas maravilhas que a falta da internet me proporciona podem ser mantidas quando a internet voltar. Mas, talvez eu não tivesse percebido o quanto pode ser proveitoso viver a vida sem o regime de escravidão que o mundo virtual nos aprisiona se isso não tivesse acontecido. A gente fica tão enredado na web que não percebe que as fronteiras que separam lazer e trabalho ficam borradas e se torna difícil estabelecer quando começa um e onde termina o outro.

A gente é escravo da internet. Um escravo satisfeito e feliz com sua condição de escravidão. E este é o pior tipo de servo. Aquele que não se dá conta.

Lógico que não estou pregando um mundo off-line. Todo mundo precisa de internet para o trabalho, para fazer contatos com amigos e se comunicar, além de mais um monte de coisas que não preciso ficar enumerando. Mas devemos ficar alertas para que a angústia de não dar conta de acompanhar o mundo virtual tome conta de nós. Entrar no Twitter, atualizar as fotos dos perfis das redes de relacionamento, atualizar o blog, acessar os e-mails, marcar presença no MSN são atividades corriqueiras para a maioria dos internautas. Mas, se a gente calcular o verdadeiro tempo que dedicamos a isso, e o melhor, o que poderíamos estar fazendo neste tempo, as coisas mudam de figura.

Depois que a crise de abstinência passa, sente-se o sabor da libertação. Vale a pena experimentar.