Som e fúria

Vivemos num mundo de muitas vozes. Muita informação. Muito barulho por nada. Tempestades em copo d'água. Uma verborragia desenfreada. Parece que precisamos falar e ouvir o tempo todo. Ouvir a última do vizinho. As notícias do dia. Ouvir as sirenes, buzinas, o lamento do vencido, a comemoração do vencedor. A TV ligada por hábito. Ouvir e não calar. Falar sobre si. Sobre os outros. Sobre a última tragédia. Sobre o jogo de futebol. Sobre a previsão do tempo.

Parece até que o silêncio é pecado.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Quando somem as palavras




Nunca imaginei que, diante da perplexidade da morte, ficaria sem palavras. Foram mais de dez dias em que nenhum verbo, pronome, substantivo ou adjetivo foram capazes de falar por mim. Invadiu-me, de súbito, um silêncio. Hoje entendo que é ele quem expressa muito mais do que qualquer texto seria capaz de fazer.

É neste silêncio sem murmúrios que escondi toda a minha dor. Creio que nunca foi tão intensa, indomável, profunda. Uma dor que sintetiza todas as dores numa só, e por isso afoga, engasga, ensurdece. Uma dor que ainda encontro, vez em quando, e que parece já fazer parte do que sou. No meu silêncio grita a ausência daquilo que podia ter sido e não foi. No meu silêncio habita uma saudade incurável, um inconformismo vão, as milhões de frases que eu queria ter dito e não disse. Toma conta do meu silêncio, as pouquinhos, uma imagem bonita e singela chamada lembrança.

O que fica são as lições, os exemplos e os conselhos, mostrando que muito ainda permanece. Esse muito inclui sua infinita bondade e humildade, sua simplicidade, descontração e até seu jeito desconfiado e às vezes pessimista de encarar as coisas. Esse muito é a sua ausência sentida a todo o momento. Seu jeitinho especial de falar, seus neologismos e expressões únicas, seus ditados e suas cantorias fazem a cada dia mais falta. Seus preceitos e suas lições de dignidade e retidão, que contribuíram para que eu me tornasse o ser humano que sou hoje, continuam ecoando aqui na Terra. Ainda assim, dói demais saber que o final, ainda que sabido, é sempre imprevisível.

A morte chega, derradeira, mas nunca estamos preparados para ela. O tempo nunca é suficiente, uma vida nunca é suficiente para tudo que almejamos. A única certeza da vida causa espanto, é enigma que ninguém é capaz de resolver. Por isso talvez seja melhor compreendê-la como um mistério e dizer um adeus acompanhado de uma grande interrogação. Afinal, o que consola é essa possibilidade de nos encontrarmos novamente – em outras vidas, outras dimensões – para poder dizer novamente eu te amo.

Para minha avó Dorli Manoela Braun.