Som e fúria

Vivemos num mundo de muitas vozes. Muita informação. Muito barulho por nada. Tempestades em copo d'água. Uma verborragia desenfreada. Parece que precisamos falar e ouvir o tempo todo. Ouvir a última do vizinho. As notícias do dia. Ouvir as sirenes, buzinas, o lamento do vencido, a comemoração do vencedor. A TV ligada por hábito. Ouvir e não calar. Falar sobre si. Sobre os outros. Sobre a última tragédia. Sobre o jogo de futebol. Sobre a previsão do tempo.

Parece até que o silêncio é pecado.

terça-feira, 15 de junho de 2010

Por tudo que há de verdadeiro e imperfeito




Ela era alta, esguia. Medidas perfeitas. Ele era um pouco mais alto que ela, forte. Roupas faiscando de novas, olhavam-se perdidos no tempo e no espaço. E eram olhados por todos que ali passavam, com um misto de inveja e contentamento. Formavam um casal perfeito.

Ambos jovens e bonitos, uma vida inteira pela frente. Tinham uma espécie de compromisso: estavam juntos até que um deles mudasse de idéia, enquanto novas oportunidades não espreitassem a janela. O que havia era uma combinação, um trato, e não um laço. Algo que existia, mas era leve como o ar.

Cultivavam a arte do desapego, uma vida baseada em infinitos reinícios e esquecimentos. Ela gostava de saber que teria com quem passar o dia dos namorados e para quem comprar um presente, como manda o figurino. Ele gostava de saber que tinha uma opção sempre disponível quando não tivesse nada de mais interessante para fazer.

E seguiam, felizes, com seus sorrisos congelados. De frente um para o outro, seus olhares não se cruzavam. Estavam lado a lado, mas não olhavam na mesma direção. Sabiam que, se fosse preciso, amanhã seria simples esquecer e recomeçar tudo novamente, com outro alguém.

Os dois, como um modelo de perfeição a ser seguido. Capazes de dizer tantas vezes “eu te amo” mas insensíveis para vivenciar ou sentir o verdadeiro significado de uma palavra já tão banalizada. Os dois, como ícones a serem imitados. Tão acostumados a intimidade carnal, aos toques e as vozes, mas incapazes de sentir mais a fundo as nuances dos olhares e do silêncio.

Habitavam a mesma vitrine, na loja mais badalada do shopping da cidade. Sua perfeição plástica, seu padrão estético e sua superficialidade muda anunciavam: os sentimentos verdadeiros estavam em falta nas prateleiras neste dia dos namorados.

Assim, não se pode aprender a amar, tal como não se pode aprender a morrer. E não se pode aprender a arte ilusória – inexistente, embora ardentemente desejada – de evitar suas garras e ficar fora de seu caminho. Chegado o momento, o amor e a morte atacarão – mas não se têm a mínima idéia de quando isso acontecerá. Quando acontecer, vai pegar você desprevenido.(Zygmunt Bauman, 2004)