Som e fúria

Vivemos num mundo de muitas vozes. Muita informação. Muito barulho por nada. Tempestades em copo d'água. Uma verborragia desenfreada. Parece que precisamos falar e ouvir o tempo todo. Ouvir a última do vizinho. As notícias do dia. Ouvir as sirenes, buzinas, o lamento do vencido, a comemoração do vencedor. A TV ligada por hábito. Ouvir e não calar. Falar sobre si. Sobre os outros. Sobre a última tragédia. Sobre o jogo de futebol. Sobre a previsão do tempo.

Parece até que o silêncio é pecado.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

"A introspecção é uma atitude em extinção"...





"Em aeroportos e outros espaços públicos, pessoas com telefones celulares equipados com fones de ouvido ficam andando para lá e para cá, falando sozinhas e em voz alta, como esquizofrênicos paranóicos, cegas ao ambiente ao seu redor. A introspecção é uma atitude em extinção. Defrontadas com momentos de solidão em seus carros, na rua ou nos caixas de supermercados, mais e mais pessoas deixam de se entregar aos seus pensamentos para, em vez disso, verificarem as mensagens deixadas no celular em busca de algum fiapo de evidência de que alguém, em algum lugar, possa desejá-las ou precisar delas". Andy Hargreaves


Este é um dos tantos trechos do livro “Identidade”, do sociólogo polonês Zygmunt Bauman, que me fazem parar para pensar e colocar em ação a minha fúria (talvez não construtiva) acerca da sociedade.

Sempre achei muito estranha esta tara inexplicável de algumas pessoas em relação aos seus celulares. Extensões do próprio corpo, os aparelhinhos que permanecem 24h ligados fazem com que seus proprietários estejam também 24h disponíveis para tudo e para todos. Aqueles que não são adeptos frenéticos do celular, certamente já ouviram coisas do tipo: “Para que tem telefone, se nunca atende?”. Como se um pacto permitindo a invasão de privacidade a qualquer momento tivesse sido firmado no ato da compra do acessório, indispensável e vital para alguns.

A introspecção é uma atitude em extinção, hoje mais do que nunca. Não há tempo para ela. Todos estão ocupados demais. Sempre há muito que fazer, urgentemente. Além do telefone que toca, o MSN está com as janelinhas piscando, chegou mais um SMS, outro scrap no Orkut. “Eu te mandei um e-mail ontem avisando que não iria”. Como se devêssemos estar o tempo todo on-line e disponíveis. Conectar-se é uma ordem.

Os habitantes do mundo líquido moderno mantêm os fones de ouvido no volume máximo, a fim de espantar qualquer ameaça de contato real. Estão sozinhos e náufragos num mar de superficialidades, boiando na infinita rede de relacionamentos simulados aos quais pertencem. Assim, não têm tempo de se conhecer, saber afinal quem realmente são, o que realmente importa, para onde querem ir. Tudo ao mesmo tempo e agora, substituem o mundo real por um simulacro mal feito de felicidade instantânea.

O mundo está doente porque não nos permitimos o simples ato de pensar sobre as coisas que nos rodeiam, nossas vidas, nós mesmos. Estresse, depressão, surto. Estamos sempre no limite. Não nos permitimos mais sequer ficar tristes. As cobranças do mercado buzinam em nossos ouvidos por todos os lados: você PRECISA ser bonita, simpática, querida, boa profissional, uma mãe e filha exemplar, informada, boa amante, divertida, culta, se alimentar bem, fazer exercícios físicos, ter um cabelo sedoso, os peitos no lugar, eliminar a celulite, ser interessante e ainda ter um milhão de amigos. Ufa! Será que sobra tempo para a reflexão no meio de tudo isso?

Vivemos um tempo em que a salvação pode ser um celular desligado ou uma rotina off-line. Pode ser um dia sem fones de ouvido. Uma TV desligada. Algumas horas de silêncio. Alguns minutos de contemplação. Uma conversa face a face. Pode ser uma amizade de verdade. Um lágrima igualmente real. Pode ser fechar os olhos e não pensar em nada. Pode ser tudo isso ou tantas outras coisas que a gente quase não se permite mais. Porque não dá tempo, porque a rotina não deixa, ou talvez porque nem saibamos mais o quanto isso pode ser libertador e essencial para a nossa sanidade.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Sobre a cegueira


“É dessa massa que nós somos feitos, metade de indiferença e metade de ruindade” José Saramago


Assisti Ensaio sobre a cegueira, filme de Fernando Meirelles inspirado no livro de Saramago. Assisti e não degluti ainda. Porque este é um filme para ser pensado e não apenas visto. Um filme que não é possível apenas ver e esquecer, ver e seguir como se nada tivesse acontecido. Se alguém sair do cinema do mesmo modo que entrou, sinto dizer, deve já estar cego.

Ensaio sobre a cegueira é um grande filme porque fala ao mesmo tempo sobre a grandeza e a mesquinhez do ser humano. Do quanto podemos ser medíocres, injustos e estúpidos. Do quanto podemos ser fortes, nobres e generosos. Do quanto não temos poder algum sobre as nossas reações em determinadas circunstâncias. Do quanto somos pequenos e egoístas e muito mais fracos do que pensávamos.

Já tinha ouvido falar que só somos realmente nós mesmos quando ninguém está olhando. Imagine então um mundo de cegos, onde ninguém vê e tem certeza que não está sendo visto. Agora imagine ser a única pessoa que pode enxergar em meio a este caos e esta desordem.

A figura misteriosa e sem nome da mulher do médico parece estar ali para equilibrar a balança. Sozinha ela consegue ser um contraponto para toda a destruição que há em sua volta. A única personagem que enxerga em meio aos cegos, parece ser também a única que vê além daquilo que os olhos normalmente mostram. É ela quem magistralmente consegue manter o equilíbrio e a sanidade. Uma fortaleza que faz com que os espectadores não percam as esperanças. E não falo da esperança de um final feliz, mas a esperança no ser humano.

Confesso que fiquei chocada. Não com as cenas, tampouco com o roteiro. Chocada com o que nós, seres humanos, somos capazes de fazer. Basta subverter a ordem. Uma situação limite. O poder. A humilhação. A patifaria. O abuso. A fome. O desespero. A traição. A canalhice. O maldito instinto de sobrevivência. A asquerosa falta de caráter. Falta de valores. De ética. De humanidade.

Mas o maior choque, sem dúvidas, é não conseguir imaginar e não saber como reagiria se estivesse imersa nesta massa atingida pela cegueira branca. E de acreditar, fortemente, que preferia ser apenas mais uma dentre os que não enxergam do que ver aquilo que a mulher do médico viu.

A cegueira reconfortante do dia-a-dia não é branca, mas camufla nossas fraquezas e adia as nossas dores. Nos torna fortes para enfrentar o mundo, que não é do jeito que a gente queria que ele fosse e que não está sob o nosso controle. Parece que tudo fica mais fácil quando a gente não vê certas coisas. Por isso, talvez a maioria simplesmente não queira abrir os olhos. Talvez a gente esteja se transformando mesmo nesta massa de ruindade e indiferença pouco a pouco. Porque tem muita gente por aí que vê, mas já está há muito tempo cego.

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Peculiaridades do mundo virtual



Sala de pesquisa. Silêncio total. Adentra no ambiente uma colega do semestre passado que eu só descobri existir quando me adicionou no Orkut, há mais ou menos dois meses. Eu nunca tinha conversado com ela nem percebido sua presença nas aulas, por isso demorei um pouco para ligar o nome e foto à pessoa. Mas, quando vi nos amigos em comum vários colegas da Feevale, acabei aceitando o pedido de “amizade virtual”.

Essa mesma menina entra na sala e não me dá oi. Sequer olha para minha cara. Está com fones nos ouvidos e a música é tão alta que posso ouvi-la nitidamente. Senta em frente ao computador, enterra os olhos na tela e não menciona sequer uma palavra nas quase duas horas que permanece sentada na cadeira a menos de um metro de distância da minha. Depois, levanta e vai embora. Nem tchau. “Um bom dia para você também, amiga virtual”, penso eu nos meus devaneios.

Fiquei absurdamente incomodada com este episódio, imaginando cá com os meus botões em que espécie de mundo estamos vivendo e, principalmente, que espécie de relações interpessoais estamos construindo. A pessoa estuda com você mas, em todos os dias de convivência dentro da mesma sala de aula não se manifesta. Daí um belo dia ela veste sua roupa virtual e decide procurar você no Orkut e, mais do que isso, adicionar você como amigo. Depois disso a pessoa real – aquela correspondente a persona virtual que te adicionou – continua não se manifestando, como se não lhe conhecesse.

Juro que não entendi. Por que cargas d’água essa pessoa me quer na sua lista de amigos se finge não me conhecer quando me vê?

Já ouvi uma pesquisadora de cibercultura dizer – e concordei piamente – que muitos de nós hoje vivem em prol de alimentar nossa persona virtual. Tudo que fazemos deve ser divertido e único e, claro, devidamente registrado com fotos. Você já fotografa os momentos pensando em publicá-los no Orkut depois. Antes, fotografava-se para registrar um momento especial. Hoje, fotografa-se para que este momento pareça especial aos olhos dos outros – mesmo que ele de fato não seja tão especial assim. Quem nunca ouviu a frase infame que diz: “Essa é pro Orkut!” antes do clique?

Ao que parece estamos nos tornando simulacros de nossa própria realidade. Eu, a Pâmela do “mundo real”, posso levar uma vida medíocre e solitária, a ponto de me considerar auto-suficiente o bastante para não precisar me comunicar o mínimo possível com as pessoas ao meu redor. Em contrapartida, a Pâmela virtual – bem mais bonita, comunicativa e cheia de amigos – é quem definitivamente socializa e convive com os demais ícones e janelinhas piscantes do maravilhoso mundo da web.

Ficar triste? Jamais! As pessoas virtuais não sofrem. Tudo superam, tudo podem. Nunca são passadas para trás. Sempre se divertem nos finais de semana. Nunca estão de mau humor. São adoradas pelos amigos. Não tem problemas de qualquer ordem ou espécie. Escolher viver a persona real, como se vê, é para os corajosos. Uma amizade de verdade pode ser perigosa, cheia de sensações, dores, sabores e alegrias. Coisas triviais que só se vive quando deixa o mouse de lado. E nem precisa de internet banda larga para começar.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Crônica de um espanto

Dentro do ônibus, a caminho de casa, a mãe e a criança sacolejam ao ritmo lento de um dia pesado, quente e interminável. O menino estava deitado no colo. Aparentava ter não mais do que cinco ou seis anos de idade. Observava, atento, a infinidade de tipos humanos a sua volta. A mãe tinha a face fechada e os pensamentos absortos em algo que parecia lhe preocupar. Eles estavam próximos a roleta, e assim todas as pessoas que passavam migravam pelo olhar curioso do menino.

No início do trajeto, embarca no veículo um ser excêntrico, porém invisível aos olhos dos passageiros. Estava ali, mas ninguém via. Aos olhos da criança, uma mistura de medo, alegria e curiosidade.

Os minutos correm, e o menino não consegue tirar os olhos daquela figura quase grotesca. Tamanho magnetismo carrega, que o pequeno não desgruda o olhar um segundo sequer. O homem e sua fantasia de palhaço permanecem absortos no sacolejar do ônibus e nem percebem a presença do menino.

Era um palhaço triste aquele, com sua camiseta desbotada e puída, suas calças curtas e sua maquiagem salpicada de suor. Sua face em nada lembrava a alegria dos picadeiros, suas mãos calejadas, suas unhas sujas e seus sapatos gastos pareciam afastar qualquer manifestação de alegria que pudesse vir de seu corpo.

Ainda assim, o menino continuava mirando, como que a espera que dali saísse um sorriso, uma exclamação. Não satisfeito, o garoto importunou a mãe até que esta também olhasse para o palhaço, consentindo o seu encantamento infantil. A mãe, contrariada, não viu a mesma magia que o menino quando seus olhos encontraram os escombros daquele homem.

Todos os dias ele pegava o mesmo ônibus, após trabalhar sob o sol e sob a chuva, numa das sinaleiras do centro da cidade. Trocava seu sorriso por uns trocados, prostituía a sua arte por algumas moedas de pouco valor. E muitas vezes acabava o dia no bar, investindo aqueles poucos tostões num copo de cachaça. Tudo isso para esquecer a invisibilidade, esquecer o sofrimento, a fome e a vontade de desaparecer de verdade dessa vida sem saída.

Naquele dia o menino enxergou o palhaço por detrás do homem. E após uma piscadela, quase que por acaso, os olhos do palhaço se cruzaram com os do menino. E, naquele infinito segundo, o palhaço invisível deu lugar a um sorriso, que há tempos não habitava aquela triste fantasia. Naquele mesmo segundo – homem, palhaço, menino – fundiram-se todos num olhar de cumplicidade e espanto.

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Quem tem medo do vestibular?

Já faz algum tempo que percebi que a educação virou objeto de consumo, um produto a venda nas prateleiras das universidades, com direito a propaganda – muita propaganda – e preço pré-estipulado. Parece-me que hoje as pessoas não vão ao campus para adquirir conhecimento ou aprender mais sobre a profissão que escolheram. A academia virou passarela onde desfilam os modelitos da estação. Virou point de encontro da galera antes da balada. Virou shopping center e espaço de socialização, onde a última coisa que se faz é abrir os cadernos.
A imagem que as universidades querem vender – e vendem! – é de um lugar bonito, agradável, com pessoas jovens, sorridentes, felizes e lindas. O ensino não importa muito. É só dar uma olhada descompromissada na publicidade de qualquer faculdade particular. Todas mostram grupos de adolescentes em ambientes externos, ao ar livre, com muitas cores e movimento. Sala de aula? Muito chata e monótona para os consumidores de sensações que almejam freqüentar um ambiente descolado e sedutor.
Quando li a matéria “Aprovação sem dificuldades”, publicada na Zero Hora de hoje, percebi que as coisas continuam tão ruins quanto eu já imaginava. Para testar a facilidade de aprovação em vestibulares de instituições particulares, dois alunos de uma turma de alfabetização (Educação de Jovens e Adultos), se inscreveram em cinco vestibulares de inverno na cidade de Caxias do Sul, a pedido do Jornal Pioneiro. Adivinhem o que aconteceu?
O seu Eloir de Camargo, 39 anos e sua esposa Sueli de Oliveira, 32 anos, foram aprovados em todos os exames. Eles estão em fase de alfabetização e todas as provas que fizeram incluíam o teste de redação. A dona Sueli ficou surpresa: “Como pode ser tão fácil passar? Numa das provas eu não sabia nada sobre o tema da redação. Escrevi qualquer coisa e me dei bem”. Não me surpreendo nem um pouco, dona Sueli. Todo mundo se dá bem, é só pagar o boleto em dia no final do mês. E tem mais: todo mundo continua se dando bem depois, o que é ainda mais assustador. Saem formados, como muitos colegas jornalistas com os quais já estudei, sem saber articular uma frase concisa e com sentido. Isso acontece em todos os cursos. Tem gente demais se dando bem nesse mundo, dona Sueli!
O senhor Mauro Trojan, presidente da mantenedora da FAI (Faculdade dos Imigrantes de Caxias do Sul), uma das instituições na qual o casal fez o vestibular e passou, matou a charada. Segundo ele, o MEC determina que o candidato só não pode tirar zero. Se a pessoa tirou 0,5, por lei, ela tem direito de ser aprovada. Se tiver menos candidatos que vagas a pessoa é classificada. “Não divulgamos a classificação dos candidatos para não discriminar os últimos colocados”, diz ele.
Ah, bom! Agora eu entendi! O vestibular é só fachada, uma formalidade necessária, digamos assim. A dona Sueli e o seu Eloir só não vão poder estudar mesmo devido a uma outra formalidade legal, que exige que eles tenham o diploma do Ensino Médio. Outra coisa muito fácil de resolver, tendo dinheiro. Só fazer um supletivo a distância e ser feliz com o curso que bem escolher. A maior dificuldade deve estar mesmo em optar por um curso e por uma das tantas universidade existentes – como produtos atraentes nas prateleiras no supermercado.
Eu que já ouvi, com estes ouvidos que a terra há de comer, um amigo dizendo que escolheu estudar na Ulbra porque lá é o lugar onde tem mais “guria gata”, fico desesperançosa quanto ao futuro. Enquanto a sala de aula for um espaço apenas para tomar café, navegar na internet pelo laptop, mexer no celular, receber mensagens, ligações e toques ininterruptamente, nada vai mudar. Enquanto os professores continuarem fingindo que ensinam e os alunos fingindo que aprendem, as coisas vão ficar mesmo do jeito que estão.
O que garante, afinal, o diploma do Ensino Médio e o ingresso na faculdade? O direito de pagar por um canudo a longo prazo? A possibilidade de freqüentar e desfilar pelo feliz ambiente acadêmico? Se os alunos chegam à universidade com tamanha fragilidade e continuam sua trajetória acadêmica sem maiores percalços, onde está o erro? Pagamos pela titulação mas não recebemos a formação de fato. Que espécie de advogados, jornalistas, administradores, contadores, publicitários, designers, engenheiros, médicos e economistas estamos formando?
Um bom tema para a redação do próximo vestibular.

terça-feira, 29 de julho de 2008

Muito som e pouca fúria

Acorda de manhã com o despertador, desesperado. Liga o rádio, para se inteirar do que está acontecendo no mundo: previsão do tempo, últimas notícias, resultados do futebol, trânsito. Dirige em silêncio. Ao longo do dia, muitos sons. Ininterruptos sons. Que interpelam, desafiam, invadem. Milhares de nuances sonoras.
Aos poucos, comecei a perceber que a gente não tem muito poder sobre o silêncio. Às vezes ele até é mal interpretado. Repudiado. Abominado. O silêncio nos causa desconforto. Mal-estar. Nos acostumamos ao ruído constante que nos ensurdece para a vida. Nem percebemos que estamos surdos – e faz tempo.
Eu percebi – e me assustei – quase por acaso. Foi numa reunião onde assistimos um vídeo com algumas imagens do fotógrafo Ita Kirsch. A apresentação, com belíssimas fotografias, estava sendo projetada no telão. Passaram-se 10 segundos. Uma imagem, mais outra, as pessoas todas começaram a se olhar, um ponto de interrogação pairava sobre a sala: cadê a música? Começou um burburinho. O fotógrafo impassível, mirando a projeção. As imagens, exuberantes, continuavam passando, uma a uma. Um silêncio estarrecedor e quase sufocante. Confesso que foram os oito minutos mais longos da minha vida. Ninguém vai verificar o volume? Será que esqueceram de anexar a música? Deu algum erro? As caixas de som estão estragadas? Uma agonia surda instalou-se no ar por alguns instantes. Cochichos. Olhares furtivos. Pessoas inquietas nas cadeiras. Parecia que faltava alguma coisa. Aos poucos, todos começaram a se aquietar. Até o final da apresentação, o silêncio tornou-se absoluto.
Faltava mesmo alguma coisa. Tão acostumados estamos ao som que não nos entregamos por inteiro aos nossos outros sentidos. Não conseguimos mais apreciar uma sequência de belas imagens atentando-se apenas a visão que, no caso de uma foto, é o que realmente importa. Me assustei muito com o desconforto coletivo mas, principalmente com o meu próprio desconforto.
Por que a gente não se permite mais ficar em silêncio? É como se a nossa vida tivesse que ser preenchida por sons em todas as lacunas. Como se as lacunas precisassem ser todas preenchidas deliberadamente. Como se o silêncio fosse uma falta e não um ganho.
Não é que eu pense que a vida não precisa de som. Talvez precise apenas de sons mais verdadeiros. Talvez existam sons dentro de nós lutando para se tornarem audíveis frente a esse caos que se instalou aqui do lado de fora.
Talvez os sons que a gente anda escutando não sejam aqueles que verdadeiramente queremos e precisamos escutar. Porque precisamos de mais fúria. Fúria para fazer nossas próprias escolhas. Para ter o poder de decidir o que ouvir ou o que dizer. Aquilo que verdadeiramente importa. Nem que seja o próprio silêncio. Fúria para escolher os próprios sons.
Este blog nada mais é do que um acesso de fúria. Nada de postagens diárias. Nada de postagens supérfluas. Nada de agenda setting. Nada de muito importante no meio da gritaria incessante do dia-a-dia. Apenas a fúria contida nos meus silêncios.

“Qual é a ameaça contida no silêncio? Ou qual é o som que não suportamos ouvir para precisar cobri-lo com o ruído ininterrupto de nossa voz? Vivemos com muito som e pouca fúria” Eliane Brum