Som e fúria

Vivemos num mundo de muitas vozes. Muita informação. Muito barulho por nada. Tempestades em copo d'água. Uma verborragia desenfreada. Parece que precisamos falar e ouvir o tempo todo. Ouvir a última do vizinho. As notícias do dia. Ouvir as sirenes, buzinas, o lamento do vencido, a comemoração do vencedor. A TV ligada por hábito. Ouvir e não calar. Falar sobre si. Sobre os outros. Sobre a última tragédia. Sobre o jogo de futebol. Sobre a previsão do tempo.

Parece até que o silêncio é pecado.

sábado, 18 de abril de 2009

Silêncio proibido



Tente recordar a última vez em que você presenciou um silêncio absoluto. Sem ruídos. Sem sirenes. Sem murmúrios. Difícil de lembrar. Talvez porque estejamos vivendo um mundo cada vez mais ensurdecedor, onde os sons nos atropelam sem aviso prévio. Em nosso tempo, meditar ou relaxar significa estar com fones de ouvido no volume máximo.
Acredito no poder relaxante e terapêutico da música, mas confesso que fiquei chocada com a notícia que li sobre o protótipo do 'B(I)aby’. Essa magnífica criação nada mais é do que uma cinta que toca músicas para bebês em gestação. O projeto é de um estudante de design canadense. A idéia é “transmitir vibrações para ‘entreter’ o bebê”. Além disso, a cinta, que fica presa a barriga da mãe, “tem microfone para que ela ‘converse’ com o bebê e entrada USB para conexão com tocadores MP3”.
Nem no útero as pessoas podem mais usufruir do silêncio! Imaginem se essa moda pega e os pobres bebês, sem escolha, passem a ouvir música antes mesmo de nascer, a mercê do gosto musical de seus pais. Eu sinceramente não consigo imaginar o monólogo via microfone que seja necessário entre mãe e filho, tampouco o porquê de colocar uma cinta que toca músicas na barriga para entreter um bebê que ainda nem nasceu.
Segundo o criador da engenhoca, os sons seriam transformados em vibrações, podendo acalmar o bebê e auxiliar no seu desenvolvimento. Ah, tá. Como ninguém pensou nisso antes? Como os bebês até hoje puderam sobreviver sem música na barriga?
O inventor do equipamento, Geof Ramsay, disse ainda ao jornal britânico Daily Mail que o aparelho ajuda a mãe a criar um laço com seu filho antes do nascimento. Como se os laços sanguíneos e os 9 meses dentro da barriga não fossem suficientes para estreitar laços entre mãe e filho.
O que mais me apavora nisso tudo é esta perseguição sonora, onde o silêncio parece cada vez mais raro, e os sons parecem se sobrepor em importância e intensidade em todas as situações.
É claro que o tal 'B(I)aby’ é apenas o protótipo, mas só o fato de alguém ter pensado na sua criação já é, de qualquer modo, assustador. Tornar as crianças que ainda nem nasceram em potenciais consumidoras de uma espécie de iPod fetal parece inconcebível na minha ingênua concepção.