Som e fúria

Vivemos num mundo de muitas vozes. Muita informação. Muito barulho por nada. Tempestades em copo d'água. Uma verborragia desenfreada. Parece que precisamos falar e ouvir o tempo todo. Ouvir a última do vizinho. As notícias do dia. Ouvir as sirenes, buzinas, o lamento do vencido, a comemoração do vencedor. A TV ligada por hábito. Ouvir e não calar. Falar sobre si. Sobre os outros. Sobre a última tragédia. Sobre o jogo de futebol. Sobre a previsão do tempo.

Parece até que o silêncio é pecado.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Sete saias de filó



O verão seria ainda mais delicioso se você não tivesse férias, ar condicionado e morasse em Campo Bom, admita. Como se não bastasse toda essa sorte, um inseto indesejado aparecer repentinamente no meio da sala de estar pode coroar aquilo que alguns chamam de azar, sina ou ainda, motivo urgente para “se benzer”.

Ela estava lá. Enorme. Lustrosa. Anteninhas em constante movimento. Eu, de chinelo em punho. Atenta. Expressões faciais remoendo o nojo só de imaginar o “pléc” que daria matar a indesejável amiga de seis patas. Num primeiro momento, nós duas permanecemos estáticas.

Mas, eu precisava fazer alguma coisa. Dormir na mesma casa que este ser de patas peludas estava fora de cogitação. Tentei um plano B: pegaria a vassoura e pouparia a vida do bichinho, expulsando ele para o lado de fora da casa. Parecia ser um plano fácil de executar.

Exatamente 459 vassouradas depois, dois gritos histéricos de nojo e cinco chineladas em vão, a barata continuava fugindo e correndo pelos quatro cantos da sala. A essas alturas minha porção boa samaritana não estava mais ativa e minha necessidade de matá-la brigava com o meu nojo de executar o ato.

Mas eu precisava fazer isso.

Se “a barata diz que tem sete saias de filó”, como garante a canção infantil, só pode ser mesmo mentira da barata. E não é porque “ela tem uma só”, não. É porque quem tem sete vidas parece não ser o gato, mas sim a mentirosa da barata.

Só não me senti mais fracassada porque lembrei da bomba atômica. Apelei para o inseticida. Devo ter descarregado pelo menos metade do frasco e nada. A maldita continuava fugindo e se escondeu atrás do sofá.

Derrotada e com nojo, resignei-me a fechar a porta e lacrar qualquer possibilidade de acesso dela ao meu sagrado quarto de dormir. Tentei me convencer que não era a hora da morte da barata. Vai ver era melhor ir dormir sem ouvir o estalo da morte e do nojo.

Depois de uma noite inteira sentindo simulações de “patinhas peludas” caminharem pelo meu corpo, chegou a hora de abrir a porta do recinto onde se encontrava a dona barata, no início da manhã. Confesso que hesitei, imaginando que ela pudesse ter passado a noite tramando alguma espécie de vingança, como um voo rasante em minha direção.

Mas não.

Como um troféu, lá estava ela. As seis patinhas peludas para o ar. Imóvel. Morta.

O inseticida é uma das melhores invenções da humanidade. Depois do ar condicionado, é claro.