Som e fúria

Vivemos num mundo de muitas vozes. Muita informação. Muito barulho por nada. Tempestades em copo d'água. Uma verborragia desenfreada. Parece que precisamos falar e ouvir o tempo todo. Ouvir a última do vizinho. As notícias do dia. Ouvir as sirenes, buzinas, o lamento do vencido, a comemoração do vencedor. A TV ligada por hábito. Ouvir e não calar. Falar sobre si. Sobre os outros. Sobre a última tragédia. Sobre o jogo de futebol. Sobre a previsão do tempo.

Parece até que o silêncio é pecado.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Confessionários eletrônicos



Hoje fiquei sabendo que um conhecido ficou “muito feliz”, porque tem “só coisa boa pintando” na vida dele. Fiquei sabendo também que poderia acompanhar, se quisesse, o vídeo de uma ecografia no Youtube. Além disso, soube que um amigo está fazendo dois anos no emprego dele, mas, conforme suas palavras, não tem “muito que comemorar”. Para finalizar, recebo a informação de que um colega estava “meio inchado” porque “arrancou um siso”.

Ok, gente. A internet é muito legal, as redes sociais também, mas vamos combinar: tudo tem o seu limite. Tudo bem publicar e dividir fotos com os amigos ou compartilhar notícias e novidades. Mas acho que estamos perdendo a noção do que é público e do que é privado nessa Era de bombardeio virtual de informações.

Lançar na rede uma frase dizendo que está feliz e que as coisas estão dando certo, pode até ser encarado como algo inofensivo, inocente até. Mas, aqui há uma linha tênue entre escrever coisas realmente importantes e escrever todos os dias como andam as oscilações do seu humor. Hoje estou feliz. Hoje estou irritado. Hoje estou empolgado. É praticamente a filosofia do Tamagoshi (lembram?) que “apitava” cada vez que queria atenção.

Colocar o vídeo de uma ecografia na internet, na minha opinião, rompe a barreira do bom senso. Anunciar para todos aos quatro ventos que o vídeo está no Youtube, então, é o cúmulo da interatividade confessional. A criança ainda nem nasceu e sua “imagem” já está disponível para quem quiser ver. Basta um clique para a intimidade de um momento tão especial cair no vazio de uma rede sem critérios, onde vale tudo em nome da interatividade.

Ficar falando mal do lugar em que trabalha então é, no mínimo, antiético. Num tempo em que empregadores e empregados, chefes e funcionários freqüentam o mesmo ambiente virtual, a informação soa muito mais como “empregocídio” do que como desabafo.
E, para finalizar, sinceramente, prefiro ser poupada da informação sobre detalhes acerca do rosto de meus amigos após sua ida ao dentista. Tem coisas que, definitivamente, o mundo não precisa ficar sabendo.

Já há informação demais em circulação. São desastres demais, futilidades demais, interesse demais na vida alheia para que a gente continue fomentando essa rede de intrigas e fofocas que o mundo virtual acabou se tornando. Muitas ferramentas interessantes da web foram se modificando a tal ponto que perderam a sua identidade ao longo dos anos.

Bom exemplo disso é o popular Orkut, que nos primórdios tinha como foco principal os fóruns de discussão sobre os mais diversos assuntos. Não vingou. Hoje, os fóruns, ou comunidades, transformaram-se em meras figurinhas nos perfis e quase ninguém mais participa. A atração principal agora são as atualizações dos amigos, as fotos, frases e confissões diárias.

Outro sinal dos tempos e do quanto essas informações confessionais circulam é a credibilidade e o protagonismo que a nossa persona virtual adquire em nossas vidas: um namoro só está consolidado quando o status de ambos os envolvidos é modificado para “namorando” ou a oficialização aparece no Twitter de ambos.

Sinais dos tempos? Revolução dos costumes? Vivemos em uma sociedade confessional, onde o ato de expor publicamente o privado foi transformado numa virtude e num dever públicos. Se aconteceu, necessariamente, precisa estar na web no dia seguinte (ou, porque não, no instante seguinte). Na esperança de atrair atenção, reconhecimento ou aprovação, expomos as “atualizações” das nossas vidas usando os melhores recursos (fotos, textos, novidades), muitas vezes nos preocupando mais com o registro do que com o momento em si.

Fique feliz se coisas boas estão acontecendo. Compartilhe as imagens da ecografia de sua filha com as pessoas queridas e com a sua família. Fale mal do seu emprego, se quiser. Reclame daquele siso que te incomodou. Mas faça isso de verdade, e não virtualmente. Compartilhe isso com as pessoas que merecem, com as pessoas que verdadeiramente convivem e se importam com você. Viva as emoções que só a interação humana pode proporcionar. E compartilhe. Nada substitui o toque, uma boa conversa, um bom desabafo, umas boas risadas com outro ser humano de verdade. Coisas que a internet não proporciona e estão aí, disponíveis para quem opta por viver no mundo real.