Som e fúria

Vivemos num mundo de muitas vozes. Muita informação. Muito barulho por nada. Tempestades em copo d'água. Uma verborragia desenfreada. Parece que precisamos falar e ouvir o tempo todo. Ouvir a última do vizinho. As notícias do dia. Ouvir as sirenes, buzinas, o lamento do vencido, a comemoração do vencedor. A TV ligada por hábito. Ouvir e não calar. Falar sobre si. Sobre os outros. Sobre a última tragédia. Sobre o jogo de futebol. Sobre a previsão do tempo.

Parece até que o silêncio é pecado.

terça-feira, 1 de março de 2011

O dia em que conheci alguém que nunca morreria




Era verão. Final de semana. Tinha sol. O mar convidava os cidadãos da orla a se refrescar. Em Imbé era dia de feira do livro. Enquanto muitos, talvez sem saber, talvez sem querer, seguiam suas vidas numa tarde típica de veraneio no litoral norte – tomando banho de sol, de mar, comendo um crepe, fazendo compras, enfim – a programação do meu fim de tarde era, finalmente, conhecer o Imortal.

Juntos fomos eu, meu irmão e a priminha de 6 anos de idade, que fizemos - com a mágica das palavras - ficar louca de vontade de conhecer o “Moa”, um senhor que escrevia livros muito legais e não morreria nunca. O brilho nos olhos da criança e a atenção que ela dispensou a sua fala escondiam a curiosidade infantil de quem tenta compreender esse mundo caótico, onde muitas vezes os livros e histórias ficam de escanteio.

Foi a beira da lagoa, perto da ponte, debaixo de uma lona de circo castigada, em companhia de umas poucas pessoas, que pela primeira vez vi e ouvi Moacyr Scliar. Vi e me encantei com sua simplicidade, singeleza, carisma, mas acima de tudo, com seu dom. Entendi ali todos os sentidos que poderíamos atribuir a sua imortalidade e o quanto isso era intrínseco a sua pessoa.

Isso foi há tempos atrás. E eu, que já gostava muito do escritor de A guerra no Bom Fim e Exército de um Homem Só, com o passar do tempo me surpreendi com a literatura fantástica que conseguiu tornar tão palpável a história de um homem que já foi centauro (O centauro no jardim) e com a imaginação fascinante de quem narrou detalhadamente as peripécias da mulher feia que teria escrito a bíblia (A mulher que escreveu a Bíblia).

Eu, que já admirava o escritor e cronista, passei a admirar também o grande homem por detrás das palavras. Imortal por sua obra, mas principalmente pelo ser humano exemplar que sempre foi.

Moacyr Scliar
☼ 23/03/1937 + 27/02/2011

2 comentários:

Max Coutinho disse...

Oi Pâmela,

Olha, acabei de vir de um blog que abordava o nascimento e, agora, por antítese visito o teu que aborda a morte.

Nascimento Vs Morte: os mistérios que a vida comporta. Dois factores vitais do ciclo da vida. Um instrumento de aprendizagem para a alma. Karma.

Beijos

Jorge Luis Stocker Jr. disse...

Lembro muito bem desse dia. Será que a Lohanna lembra do "Moa"?

Acho que uma pessoa no patamar que ele estava, não tinha a menor 'obrigação' de ser agradável numa cambaleante feira do livro onde, convenhamos, duvido que houvesse sequer livros dele à venda, tamanha a precariedade e a predominância de best sellers traduzidos.

Mas pelo contrário, lembro de ele ter falado conosco (as poucas pessoas) como se fossemos uma multidão de pessoas. Não subestimou a plateia de "meia dúzia de veranistas".

Bom, fica a literatura imortal.