Som e fúria

Vivemos num mundo de muitas vozes. Muita informação. Muito barulho por nada. Tempestades em copo d'água. Uma verborragia desenfreada. Parece que precisamos falar e ouvir o tempo todo. Ouvir a última do vizinho. As notícias do dia. Ouvir as sirenes, buzinas, o lamento do vencido, a comemoração do vencedor. A TV ligada por hábito. Ouvir e não calar. Falar sobre si. Sobre os outros. Sobre a última tragédia. Sobre o jogo de futebol. Sobre a previsão do tempo.

Parece até que o silêncio é pecado.

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Quem tem medo do vestibular?

Já faz algum tempo que percebi que a educação virou objeto de consumo, um produto a venda nas prateleiras das universidades, com direito a propaganda – muita propaganda – e preço pré-estipulado. Parece-me que hoje as pessoas não vão ao campus para adquirir conhecimento ou aprender mais sobre a profissão que escolheram. A academia virou passarela onde desfilam os modelitos da estação. Virou point de encontro da galera antes da balada. Virou shopping center e espaço de socialização, onde a última coisa que se faz é abrir os cadernos.
A imagem que as universidades querem vender – e vendem! – é de um lugar bonito, agradável, com pessoas jovens, sorridentes, felizes e lindas. O ensino não importa muito. É só dar uma olhada descompromissada na publicidade de qualquer faculdade particular. Todas mostram grupos de adolescentes em ambientes externos, ao ar livre, com muitas cores e movimento. Sala de aula? Muito chata e monótona para os consumidores de sensações que almejam freqüentar um ambiente descolado e sedutor.
Quando li a matéria “Aprovação sem dificuldades”, publicada na Zero Hora de hoje, percebi que as coisas continuam tão ruins quanto eu já imaginava. Para testar a facilidade de aprovação em vestibulares de instituições particulares, dois alunos de uma turma de alfabetização (Educação de Jovens e Adultos), se inscreveram em cinco vestibulares de inverno na cidade de Caxias do Sul, a pedido do Jornal Pioneiro. Adivinhem o que aconteceu?
O seu Eloir de Camargo, 39 anos e sua esposa Sueli de Oliveira, 32 anos, foram aprovados em todos os exames. Eles estão em fase de alfabetização e todas as provas que fizeram incluíam o teste de redação. A dona Sueli ficou surpresa: “Como pode ser tão fácil passar? Numa das provas eu não sabia nada sobre o tema da redação. Escrevi qualquer coisa e me dei bem”. Não me surpreendo nem um pouco, dona Sueli. Todo mundo se dá bem, é só pagar o boleto em dia no final do mês. E tem mais: todo mundo continua se dando bem depois, o que é ainda mais assustador. Saem formados, como muitos colegas jornalistas com os quais já estudei, sem saber articular uma frase concisa e com sentido. Isso acontece em todos os cursos. Tem gente demais se dando bem nesse mundo, dona Sueli!
O senhor Mauro Trojan, presidente da mantenedora da FAI (Faculdade dos Imigrantes de Caxias do Sul), uma das instituições na qual o casal fez o vestibular e passou, matou a charada. Segundo ele, o MEC determina que o candidato só não pode tirar zero. Se a pessoa tirou 0,5, por lei, ela tem direito de ser aprovada. Se tiver menos candidatos que vagas a pessoa é classificada. “Não divulgamos a classificação dos candidatos para não discriminar os últimos colocados”, diz ele.
Ah, bom! Agora eu entendi! O vestibular é só fachada, uma formalidade necessária, digamos assim. A dona Sueli e o seu Eloir só não vão poder estudar mesmo devido a uma outra formalidade legal, que exige que eles tenham o diploma do Ensino Médio. Outra coisa muito fácil de resolver, tendo dinheiro. Só fazer um supletivo a distância e ser feliz com o curso que bem escolher. A maior dificuldade deve estar mesmo em optar por um curso e por uma das tantas universidade existentes – como produtos atraentes nas prateleiras no supermercado.
Eu que já ouvi, com estes ouvidos que a terra há de comer, um amigo dizendo que escolheu estudar na Ulbra porque lá é o lugar onde tem mais “guria gata”, fico desesperançosa quanto ao futuro. Enquanto a sala de aula for um espaço apenas para tomar café, navegar na internet pelo laptop, mexer no celular, receber mensagens, ligações e toques ininterruptamente, nada vai mudar. Enquanto os professores continuarem fingindo que ensinam e os alunos fingindo que aprendem, as coisas vão ficar mesmo do jeito que estão.
O que garante, afinal, o diploma do Ensino Médio e o ingresso na faculdade? O direito de pagar por um canudo a longo prazo? A possibilidade de freqüentar e desfilar pelo feliz ambiente acadêmico? Se os alunos chegam à universidade com tamanha fragilidade e continuam sua trajetória acadêmica sem maiores percalços, onde está o erro? Pagamos pela titulação mas não recebemos a formação de fato. Que espécie de advogados, jornalistas, administradores, contadores, publicitários, designers, engenheiros, médicos e economistas estamos formando?
Um bom tema para a redação do próximo vestibular.

7 comentários:

Juliana Valquiria disse...

Bom, exagerado??de forma alguma!! e posso dizer que faz bem uso de todos os ensinamentos sobre textos e todas aquelas regras que aprendemos no curso de jornalismo e que tu continua melhorando tudo isso.
Realmente eu não sei a direção que o ensino no geral irá tomar, falo isso como uma futura professora de História da educação básica, é aquela da escola e tb futura professora de graduação que pretendo me tornar e tudo isso com qualidade...e as vezes penso que não sei nada..deveria saber muito mais...e estou sempre correndo atraz de tudo isso para ser uma aluna mediana...mas e aqueles!! é aqueles que acham que tudo ta bom..como está...ou que a aula só dura até a hora do intervalo...realmente deveriamos ser egoístas e estarmos nos lixando para esses...mas tb vai saber até que ponto essas criaturas cheguem e quando nos damos por conta estão governando e investindo os nossos tributos de cidadão de bem!
Falei demais e talvez não falei nada...mas a educação se tornou um negocio sim! e eu lamento muito por isso!
Parabéns Pâmela...vejo que apesar de não ter me contentado com o curso de Jornalismo, prezo muito essa profissão e já vejo colegas deste curso ótimos profissionais!

Hermann disse...

Essa situação gera a falta de mão-de-obra qualificada e reflete na situação do mercado de trabalho atual. Muitas vagas em aberto, porém com poucas pessoas que suprem as características e conhecimentos necessários para estas. Infelizmente :(

Unknown disse...

Apelo no marketing das universidade? É uma medida que muitas universidades usam pra sobreviver. É um caminho mais barato pra atrair "clientes". Se investe em marketing e não se gasta rios de dinheiro investindo em qualidade robusta. E claro que uma hora esse tiro fura o pé.
E por que essa zona? Porque "alguém" que deveria monitorar de perto a qualidade do ensino, de forma mais rigorosa, não o faz. E as universidades ficam livres pra escolherem suas armas pra sobreviver.

Menina de óculos disse...

Oi, Pâmela!!!

Adorei sua visita ao meu blog. Tbm te visitarei mais vezes.

Grande beijo

Lucas Petry Bender disse...

O próprio fato de apenas uma parcela mínima da população ter acesso ao ensino superior já demonstra que é preciso ser bom de negócio.
Lucas

Maria Paula disse...

Pâmela,

Você disse tudo o que venho bradando pelos quatro cantos da faculdade que estudo atualmente.

Sou uma pessoa que, insatisfeita com a profissão escolhida, resolveu fazer nova faculdade, e estou tremendamente impressionada com a falta de aplicação das pessoas!

Professores com medo de aluno, mudando o programa para agradar a poucos, tendo em vista não querer reprovar os mais abonados.

Eu estou indignada, tal como vc!

Valeu pelo post!

Beijos mill

Maria Paula disse...

Sou a Maria Paula do Boneca de Pano, aproveito para agradecer a visita!

Beijos mill