Som e fúria

Vivemos num mundo de muitas vozes. Muita informação. Muito barulho por nada. Tempestades em copo d'água. Uma verborragia desenfreada. Parece que precisamos falar e ouvir o tempo todo. Ouvir a última do vizinho. As notícias do dia. Ouvir as sirenes, buzinas, o lamento do vencido, a comemoração do vencedor. A TV ligada por hábito. Ouvir e não calar. Falar sobre si. Sobre os outros. Sobre a última tragédia. Sobre o jogo de futebol. Sobre a previsão do tempo.

Parece até que o silêncio é pecado.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Hoje o silicone, amanhã as covinhas




Furinho no queixo, covinhas no sorriso, pernas mais longas, dedos do pé mais curtos. O que antes eram apenas características genéticas de alguns, hoje tornaram-se sonhos de consumo (realizáveis!) de outros. O que a um primeiro olhar pode parecer excêntrico, cresce em popularidade nos Estados Unidos e países da Europa.

Isso mesmo. Silicone, lipoescultura e botox não são mais o limite. Aliás, limite é algo que parece não existir na busca por padrões de beleza cada vez mais inalcançáveis. E o que vejo, por todos os lados, é uma vaidade que beira a escravidão, talvez uma ânsia de enquadrar-se que não conhece limites.

Desejar que seu pé fosse alguns números maior ou menor me parece natural e plenamente passível de se conviver. Nunca vi alguém ter problemas sociais ou de auto-estima porque seu pé é pequeno ou grande demais. Tampouco alguém deprimido ou inconsolável porque não foi agraciado pela natureza com covinhas quando sorri. E, sejamos sinceros, ninguém até hoje morreu porque seus peitos não se parecem com as da mulher-melão.

Ainda assim, um número cada vez maior de pessoas se submete a intervenções cirúrgicas desnecessárias e, porque não dizer, injustificáveis. É claro que cada um pode – e deve – fazer o que bem entender com o seu rico dinheirinho, mas o mínimo de reflexão e senso crítico não faz mal a ninguém.

Conheço uma menina que gastou o equivalente a um carro popular para fazer algumas “correções” – silicone nos seios, plástica no nariz – e até hoje anda por aí de ônibus todos os dias para ir para o trabalho, ostentando orgulhosas suas novas aquisições. Conheço também uma senhora que trabalha fazendo faxinas aqui no meu bairro que está guardando dinheiro, adivinhem, para aumentar os seios com silicone.

O que aparentemente possa ser encarado como “liberdade de escolha” para alguns, nada mais é do que o mercado mostrando todo o seu poder de uma maneira que considero, no mínimo, cruel. Ficar “mais bonita” (leia-se, enquadrar-se em um padrão estético) tornou-se “um dever disfarçado de privilégio” (Bauman, 2008). Invista em você! Você merece sentir-se bem! Você merece ficar mais bonita! A prioridade é tornar-se, a todo custo, mais atraente – como um produto nas prateleiras dos supermercados, que precisa ser admirado e desejado.

A não satisfação das pessoas em relação àquilo que são ou àquilo que tem é uma marca registrada da cultura consumista, que nos estimula a sempre querer mais. Padrões inalcançáveis são criados para que permaneçamos sempre em movimento. Hoje o silicone, amanhã as covinhas no sorriso. E depois de amanhã, certamente algo que você jamais imaginou precisar um dia.

Talvez a gente descubra, com o tempo, que aquilo que realmente importa não é visível aos olhos. E não há dinheiro algum que possa comprar.

9 comentários:

L.S. Alves disse...

Pâmela isso seria ótimo que você participasse. O OUAT é um projeto aberto. Eu uso pra me forçar a escrever e manter os músculos escritores em dia.
Foi bom te ver no Máquina de letras. Volte sempre.
Um abraço moça.

Gustavo Martins disse...

Bela, saber que a beleza é efêmera é só o começo da descida.

Mas como você É linda, fala com um pouco de desconhecimento de causa das dores dos desesperados. Dá pra imaginar sim, mas não dá pra sentir.

Fico com a beleza, não a qualquer preço, mas com a beleza.

nina percheron disse...

É um caso complicado de se dizer. Eu por exemplo, adoraria ajeitar meu nariz, aumentar os seios, perder a barriguinha.
Mas eu jamais faria uma cirurgia pra mudar qualquer caracteristica minha que fosse. Sou fruto de uma evolução, e genéticamente, se meu nariz é grande, é o traço mais marcante do meu pai que está em mim e se meus peitos não são tao grandes como eu gostaria, que mais eu posso fazer? haha, parece engraçado falando assim, principalmente do meu nariz, mas acho que beleza maior, é aquela que está por traz de qualquer traço marcante ou não tão visto a olho nú assim.

;)

Anônimo disse...

Gostei de cara daqui do teu blog. Voltarei depois com calma para ler os textos mais antigos.
Caso queira, visite-me no www.espacointertextual.blogspot.com

Um beijo e até a volta.

Max Coutinho disse...

Pâmela,

Assino em baixo de tudo o que aqui disseste.

O mundo mergulhou no poço imundo da vaidade e futilidade (infelizmente). O ser humano quando vê as necessidades básicas supridas começa a procurar necessidades desnecessárias para suprir...chocante!

Beijos

Sui M. disse...

Até que ponto ainda chegará a busca do ser humano pela aceitação?
ninguém percebe que nessa busca as pessoas só se perdem e não encontram nunca mais?
prefiro meu eu imperfeito.
um belo texto, Pâmela.

Rodrigo de Assis Passos disse...

otimo texto!!!

Rodrigo de Assis Passos disse...

ótimo texto!!

Lu Vieira disse...

Pâmela, gostei muito de conhecer o seu blog, as suas fotos e poesias. Parabéns pelos seus belíssimos trabalhos! Os seus textos possuem olhares profundos e oferecem um convite para uma longa reflexão.

Quanto ao tema deste post, é lamentável a grande importância dada às intervenções cirúrgicas em nome da beleza. "Eu quero silicone nos seios e no bumbum". "Pedi ao cirurgião uma boca igual a da Angelina Jolie". E outras frases absurdas. Respeito a decisão de cada um por melhorar a aparência física. Porém, me deixa irritada quando se melhora uma parte do corpo, depois a pessoa deseja melhorar em outro canto. Para mim, ela está partindo para o exagero.

É uma pena as pessoas ignorarem o fato de que todo tipo de cirurgia apresenta risco, inclusive a estética. Uma pena também as pessoas usarem todo o seu dinheiro para investir na beleza em vez de optar por fazer uma faculdade, uma viagem para visitar os parentes que não os vê há muito tempo, etc.

Enfim, Pâmela, as pessoas deixam de observar as outras belezas que existem por aí como o mar, a flor, as crianças, a família... Gostei de encontrar a beleza que existe no seu blog. Um grande abraço!